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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Psicóloga clínica, especialista em teoria e clínica psicanalítica. E-mail para contato: mlmpsicanalise@gmail.com

20 de out. de 2011


A histeria masculina



 
Ao escutar um paciente histérico, especialmente um homem, imaginemo-lo como um garotinho assustado, encolhido num canto do aposento, com os olhos arregalados e protegendo a cabeça com as mãos, como que para aparar a violência de um castigo eventual.

J. -D. Nasio

Nos primórdios dos estudos da histeria, acreditava-se que se tratava de uma doença feminina. Durante anos, foi dada muito pouca atenção à histeria masculina. Hoje, a clínica comprova que ela é quase tão freqüente nos homens quanto nas mulheres. O sofrimento histérico da atualidade está mais discreto, raramente encontramos “crises” como as de antigamente, chamadas de “estigmas histéricos”, contudo, o momento histórico-cultural trouxe outras mudanças na vida dos histéricos.
A sociedade contemporânea vive um momento de declínio das referências masculinas. As instâncias paternas, estruturantes, que constituíam a identidade masculina, sofreram uma queda.
A religião, a autoridade, a tradição, a lei paterna; estão desmoronando. As religiões estão sofrendo críticas e questionamentos. Foram descobertas inúmeras atrocidades que a Igreja Católica Apostólica Romana cometia, em nome de Deus. O Protestantismo que questionava os dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana vem abusando da ignorância dos fiés, absolvendo criminosos, fazendo deles pastores e extorquindo dinheiro das massas para aplicar em causa própria. São tantas mazelas mundanas em nome da religião, que esta, como interdito de outrora, abriu espaço para o perdão sem fronteiras. Se Deus perdoa tudo, por que se responsabilizar por atos? Teria então, Deus, deixado de dar limites, deixando de representar a interdição simbólica paterna e se tornado um pai permissivo?
E o que falar das autoridades? Elas deveriam colocar ordem na sociedade, não é mesmo? Os políticos que o povo escolhe para representá-lo, em sua maioria, parecem corruptos. As leis só se aplicam aos menos favorecidos e pouca punição existe para aqueles que não cumprem as regras da sociedade. Guerras são travadas em nome do poder econômico. Chefes de estado insistem em usurparem os bens naturais do planeta sem pensar no futuro trágico de seus descendentes. Onde estão os grandes líderes? Onde estão os referenciais?
Cazuza e Frejat com sua música “Ideologia”, exemplificam a angústia de sua geração:
Meu partido/É um coração partido/E as ilusões/Estão todas perdidas/Os meus sonhos/foram todos vendidos/Tão barato que eu nem acredito/Ah! Eu nem acredito.../Que aquele garoto que ia mudar o mundo/Mudar o mundo/Freqüenta agora as festas do "Grand Monde”.../Meus heróis morreram de overdose/Meus inimigos estão no poder/Ideologia!/Eu quero uma pra viver/Ideologia!/Eu quero uma pra viver.../O meu prazer agora é risco de vida/Meu sex and drugs não tem nenhum rock'n'roll/Eu vou pagar a conta do analista/Pra nunca mais ter que saber quem eu sou/Ah! Saber quem eu sou.../Pois aquele garoto que ia mudar o mundo/Mudar o mundo/agora assiste a tudo/Em cima do muro/Em cima do muro...
O homem vem sofrendo as conseqüências daquilo que ele mesmo causou. Sem referências, sofre as seqüelas do desmoronamento do seu mundo simbólico. Está à deriva, sem a âncora edipiana, desamparado e sofrendo. Esse sofrimento se deflagra na depressão, no pânico, no tédio, na compulsão e nas famosas “personalidades limítrofes”. (PEREIRA, apud GRASSI, 2004, p.13.)
Como então com tão poucos referenciais o homem contemporâneo se estrutura? Será possível se tornarem viris, másculos, homens por si sós? É possível comprar potência em uma farmácia? Esse é o paradigma da masculinidade na atualidade.
A impotência do homem contemporâneo sem referências pode ser expresso no fracasso sexual? Será que as promessas de realização sexual através de uma droga licita resolverão o sentimento de incompletude? Será que essa ferida exposta pode ser remediada?
E o que dizer sobre as mulheres contemporâneas? Será que elas possuem sua parcela de contribuição para a falta de referências masculinas? Para Mário Eduardo Costa Pereira no Prefácio ao livro de Maria Virgínia Filomena Cremasco Grassi: “Psicopatologia da disfunção erétil: A clínica psicanalítica do impotente” trata-se de:
[...] mais do que uma ânsia ou terror suscitados pela mulher contemporânea, freqüentemente vividos como completa e não-castrada, a impotência masculina nos tempos atuais tem ligação com o horror suscitado pelo desejo sem mediação, de um mergulho sem limites no oceano primordial feminino. O sintoma revela-se assim, mostra-o bem o livro, como estratégia de proteção desse homem contemporâneo, impotente de suas referências fálicas, contra o fascínio de um fantasma de fusão regressiva na idealizada mulher, devoradora/protetora dos pequenos homens desamparados.(PEREIRA, apud, GRASSI, p.14)
Será que já estamos vivendo o “pós-patriarcado”? Será que a preponderância do poder fálico está ruindo? As mulheres já se tornaram 50% da força de trabalho, dividem os cuidados da casa e dos filhos com seus parceiros, homens e mulheres tomam decisões por consenso e o poder não está mais nas mãos do patriarca. As mulheres estão se emancipando e com isso os paradigmas da nossa sociedade estão mudando. 
Essas são as mulheres da atualidade, são aquelas que ameaçam os homens com uma conduta nada subserviente, elas são as mães, são as esposas, as profissionais, são as batalhadoras... Completas? Não-castradas? Não podemos afirmar... Entretanto sabemos que essas mudanças ameaçam o universo masculino instituído ao longo dos anos.
Que relação existe entre a falta de referências masculinas da sociedade contemporânea, a histeria, a potência do homem e o fracasso sexual?
A falta de referências masculinas da sociedade contemporânea só reforça a falha identificatória característica da histeria. Para a Psicanálise o processo identificatório é de suma importância, é a partir do processo de internalização do “Outro”; do “Mundo” que o sujeito se constitui e se transforma.
Freud em “A dissolução do Complexo de Édipo”, estabelece a diferença entre “investimento do objeto” e “identificação”. O Complexo de Édipo oferece à criança dois caminhos. Ela pode colocar-se no lugar do pai, para poder ter sexualmente a mãe ou no lugar da mãe para ter o pai. Na impossibilidade de realizar essas escolhas, em função da interdição simbolizada pela “castração”, os investimentos são substituídos pela introjeção da lei paterna e da dessexualização das tendências libidinais existentes, dando lugar ao superego.
Sobre isso descreve Freud (1924):
As catexias de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal. As tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo são em parte dessexualizadas e sublimadas (coisa que provavelmente acontece com toda transformação em uma identificação) e em parte são inibidas em seu objetivo e transformadas em impulsos de afeição. Todo o processo, por um lado, preservou o órgão genital — afastou o perigo de sua perda — e, por outro, paralisou-o — removeu sua função. Esse processo introduz o período de latência, que agora interrompe o desenvolvimento sexual da criança.
Não vejo razão para negar o nome de ‘repressão’ ao afastamento do ego diante do complexo de Édipo, embora repressões posteriores ocorram pela maior parte com a participação do superego que, nesse caso, está apenas sendo formado. O processo que descrevemos é, porém, mais que uma repressão. Equivale, se for idealmente levado a cabo, a uma destruição e abolição do complexo. Plausivelmente podemos supor que chegamos aqui à linha fronteiriça — nunca bem nitidamente traçada — entre o normal e o patológico. Se o ego, na realidade, não conseguiu muito mais que uma repressão do complexo, este persiste em estado inconsciente no id e manifestará mais tarde seu efeito patogênico. (FREUD, 1924, p.05)
Segundo Grassi (2004) no “Estádio do espelho” a criança se identifica com o que supõe ser o desejo da mãe, e se torna o falo imaginário dela, preenchendo o vazio da mesma. Com a entrada do pai, como rival à simbiose entre mãe e filho, a criança abandona a posição de assujeito e se torna um sujeito desejante. O interdito paterno abre a possibilidade para o indivíduo ter prazer, no caso dos meninos, a promessa de virilidade no tempo certo com as mulheres certas, permitidas. Chegamos assim, ao entendimento de que se a castração não for bem sucedida encontraremos uma falha identificatória.
Voltando a questão da relação existente entre a falta de referências masculinas da sociedade contemporânea e a histeria, esta seria então, a resolução do complexo de Édipo com a entrada do interdito paterno, a castração.
Como relacionar essa questão à potência do homem? Para Grassi (2004) citando Lacan:
Problemas com a castração remetem-nos diretamente à psicopatologia, pois em todas as neuroses, e principalmente na histeria, considerada a principal neurose desde Freud, a questão é com a castração. Em Lacan (1972-1973): “Para o homem, a menos que haja castração, quer dizer, alguma coisa que diga não à função fálica, não há nenhuma chance de que ele goze do corpo da mulher, ou, dito de outro modo, que ele faça o amor.”(GRASSI, 2004, p.136)
Para Nasio (1991), o histérico vive um paradoxo na sua vida sexual, de um lado vive seu corpo não-genital com uma carga erótica excessiva e dolorosa e por outro lado sua zona genital apresenta uma inibição. Em decorrência desse paradoxo, a vida sexual do histérico, é marcada pela insatisfação. A angústia de perder seu falo aumenta proporcionalmente à dúvida de ser homem ou mulher. Quanto maior for a dúvida quanto a sua identidade sexual maior será o apego ao falo e maior será a angústia. Em momentos de muita angústia aparecem os sintomas causadores do sofrimento.
A disfunção erétil pode ser um sintoma defensivo contra a idéia da relação sexual. Anestesiando seu pênis e “falicizando” globalmente seu corpo ele torna sua zona genital esvaziada e desinvestida de afeto, enquanto o seu corpo não-genital se excita e se organiza como um poderoso falo, narcísico, sedutor e sofrido. O histérico abre mão do falo para sê-lo. Ele se torna no falo que faltava em sua mãe, na fantasia de castração. Esse homem histérico sofre por ter sido transformado no falo do “Outro” castrado.
A falta de ereção é uma defesa. Uma renúncia ao gozo da penetração. A penetração é uma ameaça ao falo. A impotência surge nesse momento, no momento da reatualização, em que o homem sente o medo de desintegrar seu ego caso perca seu falo na penetração, contudo, ele precisa penetrar a mulher desejada, a mulher desejante e perigosa como na sua fantasia infantil inconsciente, diante da mãe castrada. A angústia de castração é então convertida em inibição sexual e insatisfação, da qual ele se utiliza para aplacar a ameaça de sucumbir ao gozo.
Como ele não aceita a castração, fica impossibilitado de realizar identificações masculinas e femininas, assim sendo ele permanece psiquicamente bissexual. O gozo que o remete ao proibido apresenta-se sob a marca da impotência que, pode ou não, se manifestar como uma disfunção erétil.
Todo histérico é impotente? Cabe aqui outra questão. O que é ser impotente?
Ribeiro Alves (2001) refere-se à equação simbólica psicanalítica para ilustrar a “potência” masculina, para além do desempenho peniano:
A potência masculina, para a psicanálise, não se reduz à força mecânica do membro masculino; ela se coloca, sobre tudo, na equação simbólica: pênis = falo. A valorização do pênis-falo dá-se a partir da suposição da castração da menina, ou seja, de um não reconhecimento da vagina como outro órgão sexual. Mas isto custa um preço ao menino – o preço da ameaça de castração.
A impotência não se resume a uma disfunção erétil. A impotência fala de uma falta, de uma insatisfação que caracteriza e determina toda a vida do neurótico. A impotência é a sensação de “nada posso fazer”. O que seria isso? Seria o sofrimento diante do desejo do outro que ele não pode satisfazer já que o gozo para ele é proibido e assustador. Então todo histérico se sente impotente mesmo que não tenha uma disfunção erétil. Homens ou mulheres impotentes perante o paradoxo de sua existência doentia, diante da assustadora lembrança que o recalque deixou escapar. O gozo incestuoso reprimido encontrando destino no gozo sintomático escolhido.
Marly Lopes de Morais
Referências:
1 - ALVES apud GRASSI, 2004, p. 109.
2 - NASIO, 1991, p. 60.
3 - NASIO, 1991, p. 44.
4 - NASIO, 1991, p. 44.
5 - MURARO, 2000, p. 181 à 191.
6 - Personalidade limítrofe é o mesmo que personalidade borderline. Pelo DSM.IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais) da Associação Norte-Americana de Psiquiatria, trata-se de um transtorno de Personalidade caracterizado por um padrão comportamental de instabilidade nos relacionamentos interpessoais, na auto-imagem e nos afetos. Há uma acentuada impulsividade, a qual começa no início da idade adulta e persiste indefinidamente.
7 - Letra de “Ideologia”, de autoria de Cazuza e Frejat, música do Álbum com o mesmo nome, gravado pela Poligram em 1998.
8 - Mário Eduardo Costa Pereira no Prefácio ao livro de Maria Virgínia Filomena Cremasco Grassi: “Psicopatologia da disfunção erétil: A clínica psicanalítica do impotente” fala com propriedade sobre a crise de identidade masculina na contemporaneidade. 
9 - NASIO, 1991, p.77.



6 de mai. de 2010

HISTERIA: O sintoma e sua importância



É por que alguém me escuta
 e quer descobrir o enigma dos mal-estares de meu corpo
 que esses mal-estares adquirem um sentido em minha história;
assim, um dia talvez possam desaparecer.


J. -D. Nasio


Durante a leitura sobre a história da histeria é possível perceber que, o que chamou a atenção de todos aqueles que buscaram entendê-la, foram os sintomas por ela produzidos. As paralisias, cegueiras, convulsões e tantas outras manifestações físicas sem causas orgânicas, suscitaram o interesse pela histeria. No sintoma reside o sentido do que o inconsciente quer comunicar. Ele deflagra uma necessidade; contudo, ele é um enigma a ser decifrado, que nunca se consegue explicar prontamente.

Perante o sintoma somos todos como “Édipo” buscando solucionar o enigma da esfinge: “Decifra-me ou devoro-te!”. Édipo conseguiu solucionar o enigma da esfinge e com isso, sem saber, desposou sua mãe e, mais tarde, descobriu que havia matado seu pai. Não agüentando suportar o fardo que o destino lhe impôs, feriu seus próprios olhos e ficou cego. Podemos dizer que ele inconscientemente realizou seus desejos e não suportando essa realidade quis não enxergá-la? (Édipo Rei é uma peça de teatro grega, mais precisamente uma tragédia, escrita por Sófocles por volta de 427 a.C. - J. B. de Mello e Souza Versão para eBooksBrasil.com, disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/edipo.htm)


A importância do sintoma reside nessa característica, ele é uma via de comunicação do psíquico no corpo, entretanto, ele surge para defender os histéricos do desejo recalcado que insiste em se satisfazer, mas a culpa não permite.


A respeito desse mecanismo, Freud explica que a formação dos sintomas neuróticos é tal como a dos sonhos, assim sendo, o sintoma é uma dissimulação da satisfação de um desejo, uma representação com uma “máscara” de satisfação. Sobre isso Freud se refere ao sintoma como uma “formação substitutiva”: “Um sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma consequência do processo de repressão”.(FREUD, 1926, p.09). O sintoma ocasiona um prazer alternativo e, ao mesmo tempo fica no lugar, simbolicamente, daquilo que podemos chamar de “satisfação real”.


Escutar o inconsciente sempre é o melhor caminho para entender os sintomas ou os sintomas são o melhor caminho pra entender o inconsciente? Que desejo recalcado é esse que insiste em se fazer presente através dos sintomas?


Freud, em sua obra, desenvolveu a teoria do recalcamento em três momentos, a saber: “recalque originário”, “recalque propriamente” dito e o “retorno do recalcado”. O recalque originário é o primeiro momento do recalcamento e tem como resultado a criação de representações inconscientes que sofrem a ação da instância superior e atração por parte dos conteúdos do inconsciente. O “recalque propriamente dito”, é aquele que procura manter afastado da consciência as representações ligadas à pulsão. O “retorno do recalcado” é o momento em que os elementos recalcados conseguem, de uma forma desfigurada, aparecer na consciência através da “formação de compromissos". LAPLANCHE e PONTALIS, 1970, p. 552,558 e 601


O que seria a chamada “formação de compromisso”, para Freud? Trata-se da maneira pela qual o material recalcado tenta ser aceito de forma consciente. Ele retornará no sonho, nos atos falhos e no sintoma. Na verdade ele retornará em qualquer produção inconsciente, contudo, de uma forma irreconhecível. (LAPLANCHE e PONTALIS, 1970, p. 257)


Assim sendo, o sintoma é um produto do recalque, uma satisfação de desejo, uma forma substitutiva de satisfação do desejo sexual infantil recalcado. Ele é uma pista para que possamos entender o que o inconsciente quer comunicar. Ele é uma carta cifrada que esconde o desejo que queremos encobrir, o sofrimento é produzido como uma defesa do ego. No caso do histérico a culpa decorrente da lembrança encoberta que insiste em escapar do recalque dói muito mais que a dor do sofrimento sintomático.


Paradoxal esse ser histérico reclama de seu sintoma, busca ajuda e alívio para sua dor e ao mesmo tempo utiliza essa dor como defesa. Como se sente um histérico sem seu sintoma defensivo? Curado ou desprotegido?


Assim sendo, a psicanálise busca o sentido do sintoma para descortinar o sujeito que reside no inconsciente. Apesar de o sintoma ser de ordem simbólica ele é real. O sintoma histérico não difere de uma patologia orgânica: mesmo não tendo uma causa orgânica ele produz uma doença real.


Não se pode generalizar o sintoma, assim sendo, o trabalho da psicanálise é pesquisar o singular de cada sujeito que aparece na clínica buscando alívio para seu sintoma.


Sempre que a análise se aproxima de decifrar um sintoma, a perseverança do analista é posta em prova. Um bom analista não desiste perante as resistências dos analisandos, pois a resistência nada mais é do que o sinal de que o caminho está correto, a resistência aponta para o recalque, o recalque exige trabalho, e o trabalho requer escuta.


O que para os analistas pode ser um avanço, para o analisando pode ser a eminência de perder as defesas contra uma ameaça assustadora.

Referências:

1 - NASIO, Juan – David, A histeria: Teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1991.
2 - LAPLANCHE E PONTALIS, J.- B. Vocabulário de Psicanálise.Santos: Livraria Martins Fontes. 1970.


2 de mai. de 2010

Histeria: História

 
Bertha von Papenheim, mais conhecida como Anna O. 
O termo “histeria” é muito antigo. Remonta a Hipócrates, médico da Antiguidade considerado o pai da medicina. Histeria deriva do grego “hyster” que quer dizer útero. Hipócrates acreditava que a causa da histeria se originava de alguma alteração uterina: o útero deslocar-se-ia no interior do corpo da mulher, afetando o funcionamento dos outros órgãos e causando os sintomas devido à pouca atividade sexual. O tratamento recomendado consistia na inalação de vapores e fumaças produzidas pela queima de produtos exóticos e manobras físicas com o objetivo de fazer o útero retornar ao seu local. Cabe ressaltar que, naquela época, esses quadros eram associados à abstinência sexual, assim sendo, em casos mais graves, era indicada a introdução de uma espécie de "consolo" embebido em substâncias perfumadas, na vagina da mulher. (Dados coletados na Bibliomed, do artigo Crises de Histeria – características, escrito pela Equipe Editorial Bibliomed em 05 de julho de 2007. Disponível em: http://boasaude.uol.com.br/lib/showdoc.cfm?LibCatID= -1 & Search = histeria & LibDocID = 5120)
Grassi (2004) relata que Pierre Briquet, a partir de 1859, contestou a teoria da gênese uterina da histeria, que nessa época passa a ser considerada uma “neurose do encéfalo” que resultava numa maior sensibilidade do sistema nervoso. Segundo essa teoria, a mulher era mais predisposta à histeria por ser mais sensível que o homem pois seu encéfalo era mais influenciado pelas emoções.
De acordo com Freud (1893), a compreensão da histeria começou com os trabalhos de Charcot e da escola do Salpêtrière. Até então, as histéricas eram ridicularizadas, chamadas de teatrais e exageradas. Charcot, na primeira metade dos anos oitenta, dedicou-se ao estudo das “crises”, da “neurose maior”, como os franceses chamavam a histeria na época. Essas “crises” caracterizavam-se por sintomas como: ausências, alucinações, estados de êxtase, mudanças de humor, dissociação da personalidade, convulsões epileptóides, contrações, contraturas, anestesias, hiperestesias, paralisias, problemas de visão, audição, olfato, bulimias, anorexias etc. Charcot para explicar sua teoria do “trauma”- que ainda não era de origem sexual - utilizava técnicas de hipnose para reproduzir a “crise” induzindo, assim, os sintomas. Ele chamava essas “crises” de “estigmas histéricos”.
Segundo Freud, em 1888, a histeria era:
[...] uma neurose no mais estrito sentido da palavra — quer dizer, não só não foram achadas nessa doença alterações perceptíveis do sistema nervoso, como também não se espera que qualquer aperfeiçoamento das técnicas de anatomia venha a revelar alguma dessas alterações. A histeria baseia-se total e inteiramente em modificações fisiológicas do sistema nervoso; sua essência deve ser expressa numa fórmula que leve em consideração as condições de excitabilidade nas diferentes partes do sistema nervoso. Uma fórmula fisiopatológica desse tipo, no entanto, ainda não foi descoberta; por enquanto, devemo-nos contentar em definir a neurose de um modo puramente nosográfico, pela totalidade dos sintomas que ela apresenta... (FREUD, 1888, p.02)
Para Freud, a reprodução dos sintomas histéricos realizada por Charcot, em mulheres sob hipnose, salientava o aspecto psíquico da doença. (As investigações clínicas de Charcot, mais tarde, foram retomadas por seu discípulo, Pierre Janet, Breuer e outros.)
Sobre esse fato, Freud escreve:
[...] através de uma sólida cadeia de argumentos, que essas paralisias eram o resultado de idéias que tinham dominado o cérebro do paciente em momentos de disposição especial. Desse modo, o mecanismo de um fenômeno histérico foi explicado pela primeira vez. Essa amostra incomparavelmente arguta de investigação clínica foi depois retomada por seu discípulo, Pierre Janet, assim como por Breuer e outros, que desenvolveram a partir dela uma teoria da neurose que coincidia com a visão medieval — depois de eles terem substituído o “demônio” da fantasia clerical por uma fórmula psicológica. (FREUD, 1893, p. 08)
No mesmo período em que Charcot trabalhava com as paralisias histéricas traumáticas, Breuer tratava uma cliente, que se tornaria um caso importante na história da histeria, Anna O.. Freud trabalhava com Breuer ainda utilizando a hipnose, mas seus casos eram de histeria comum e não de histeria traumática.(FREUD, 1893, p. 14)
Freud fala da relação entre histeria e sexualidade, pois ele acredita que algum evento traumático acontecido na infância poderia ser o causador. Sua “teoria do trauma de sedução” postula o surgimento da histeria como uma neurose em três tempos. O indivíduo passaria de forma passiva de uma vivência de caráter sexual promovida por um adulto ou uma criança mais velha, sem dar a esse fato algum significado, embora tivesse ocorrido uma situação de prazer. Quando próxima à puberdade, ela lembraria do fato e, acompanhado à lembrança, teria sensações prazerosas que dariam o significado moral ao ato que, assim levariam ao recalcamento do mesmo. Esse recalque, sem sucesso completo, permitiria que as sensações voltassem transformadas em desejo, camuflado de sintoma. O próprio Freud em carta escrita a Fliess, datada de Viena, 21 de setembro de 1897, contesta sua teoria: “[…] Confiar-lhe-ei de imediato o grande segredo que lentamente comecei a compreender nos últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica [teoria das neuroses]”. (FREUD, 1892, p.01) Esse fato se dá quase simultaneamente à descoberta do complexo de Édipo feita em sua auto-análise (cartas 70 e 71 de 3 e 15 de outubro), que o levou ao reconhecimento de que as moções sexuais agiam normalmente nas crianças de tenra idade, sem estimulação externa, completando, desta maneira, sua teoria sexual. (FREUD, 1905, p. 03.) Freud, no entanto, não descarta sua primeira elaboração, mas não crê que o seja uma regra geral. Ele percebe que o trauma pode ocorrer sem que a sedução ou o abuso sejam factuais, podendo ser de origem fantasiosa infantil. Partindo dessa hipótese Freud escreve os “Três ensaios sobre a sexualidade” em 1905. (FREUD, 1905, vol. 53)
Nesse momento de sua obra ele conceitua a libido e escandaliza a todos com a importância que dá à sexualidade infantil, propondo que esta possui a mesma natureza da sexualidade do adulto, sendo, contudo diferente em outros aspectos. Assim, a histeria resultaria do conflito entre os desejos sexuais infantis, edipianos, e as defesas do ego.
No texto “Sexualidade feminina” escrito em 1931, Freud ressalta a mãe pré-edipiana no desenvolvimento psicossexual e no nascimento da neurose em meninos e, especialmente, em meninas, propondo a causa da histeria para além de questão edipiana. Essa concepção não é muito aceita, pois Freud passa a formular que a raiz do sintoma histérico estaria antes da formação do complexo de Édipo, que até então, era o “complexo nuclear das neuroses”. Na fase pré-edípica, a criança experimentaria prazer com os cuidados da mãe e, assim, começaria a construir fantasias de sedução relacionadas a ela. Na menina essas fantasias seriam transferidas ao pai, apesar de, desencadeadas pela mãe. Essa então poderia ter sido a última teoria proposta por Freud com relação à origem da histeria.
Segue um trecho do texto onde Freud introduz a questão:
Na verdade, tínhamos de levar em conta a possibilidade de um certo número de mulheres permanecerem detidas em sua ligação original à mãe e nunca alcançarem uma verdadeira mudança em direção aos homens. Assim sendo, a fase pré-edipiana nas mulheres obtém uma importância que até agora não lhe havíamos atribuído. (FREUD, 1931, p.03)
Encerrando este item, cabe citar a “Conferência XXXII”, de 1931 sobre feminilidade, onde Freud retoma o tema da “mãe pré-edipiana” e encerra seu texto deixando as seguintes palavras:
Isto é tudo o que tinha a dizer-lhes a respeito da feminilidade. Certamente está incompleto e fragmentário, e nem sempre parece agradável. Mas não se esqueçam de que estive apenas descrevendo as mulheres na medida em que sua natureza é determinada por sua função sexual. É verdade que essa influência se estende muito longe; não desprezamos, todavia, o fato de que uma mulher possa ser uma criatura humana também em outros aspectos. Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas, ou aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais profundas e mais coerentes. (FREUD, 1931, p. 14)
Referências:

1 - GRASSI, Maria Virgínia Filomena Cremasco, Psicopatologia e disfunção erétil: A clínica psicanalítica do impotente. São Paulo: Escuta. 2004.
2 - 26. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Caso 1 – Srta. Anna O. (Breuer). Rio de Janeiro: Imago. 1893
3 - 30. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Histeria. Rio de Janeiro: Imago. 1888. Vol. I.
4 - 28. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma conferência. Rio de Janeiro: Imago. 1893. Vol. II.
5 - 29. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Carta 69. Rio de Janeiro: Imago. 1892. Vol. I.
6 - 24. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Três ensaios sobre a sexualidade. Rio de Janeiro: Imago. 1905. Vol. IV.
7 - 13. FREUD, Sigmund, Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: Conferência XXXII - Feminilidade. Rio de Janeiro: Imago. 1931. V. XVII.

29 de abr. de 2010

Histeria: O outro

 
 
O outro

Como decifrar pictogramas de há dez mil anos
Se nem sei decifrar
Minha escrita interior?
Interrogo signos dúbios
E suas variações caleidoscópicas
A cada segundo de observação.
A verdade essencial
É o desconhecido que me habita
E a cada amanhecer me dá um soco.
Por ele sou também observado
Com ironia, desprezo, incompreensão.
E assim vivemos, se ao confronto se chama viver,
Unidos, impossibilitados de desligamento,
Acomodados, adversos,
Roídos de infernal curiosidade.

Carlos Drummond de Andrade

Referência: 
 
1 - ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de Janeiro: Record. 2004.

Estudos sobre a HISTERIA



Estarei postando textos sobre a Histeria. Textos que produzi ao longo da Pós Graduação: Teoria e Técnica Psicanalítica e de autores consagrados.

Marly morais

15 de mar. de 2010

Todo mundo se machuca!

Campanha do Governo Inglês para as festividades de fim de ano, intitulada "Todo mundo se machuca".

Música da Banda R.E.M.:  "Everybody Hurts".

http://www.tac.vic.gov.au

13 de mar. de 2010

Estan clavadas dos cruces en el monte del olvido...




Dos Cruces: música composta por Carmelo Larrea, interpretada por Marina de La Riva.

Desamparo: texto de Marly Morais.

Vídeo criado por Marly Morais com imagens do Google.

3 de jan. de 2010

O paradoxo de ser brasileiro







Fiquei pensando... O povo brasileiro é um paradoxo!


Acho que por estar me aprofundando nos paradoxos da psicanálise, no seminário da Formação Freudiana, estou me tornando mais sensível ao tema e tenho percebido alguns deles no meu cotidiano.


Um deles nos fala Fernando Pessoa, com um belíssimo poema, sobre o paradoxo que vive, o único animal que pensa e se orgulha por assim o ser, contudo, descobre que é mais feliz quem ignora essa capacidade. Segue o poema: "O mistério do mundo".


O Mistério do mundo 


"O mistério do mundo,
O íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência,
Consiste em haver esse mistério.
...

Não é a dor de já não poder crer
Que m'oprime, nem a de não saber, 
Mas apenas de ter visto e compreendido em toda 
A sua infinidade de mistério.
...
Quanto mais fundamente penso, mais 
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...
Só a inocência e a ignorância são 
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra, 
Um lugar, nada mais.
...
Quanto mais claro
Vejo em mim, mais escuro é o que vejo.
Quanto mais compreendo
Menos me sinto compreendido. 
Ó horror paradoxal deste pensar...
...
Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas, 
Como me amarga n'alma essa alegria!


Fernando Pessoa


Quando li esse poema, lembrei da pesquisa divulgada pela revista "Forbes", sobre as cidades mais felizes do mundo e ao invés de ficar feliz, acabei entristecendo... O Rio de Janeiro lidera essa lista...


Avante, Brasileiros!


Felizes, ignorantes, contraditórios...
Tenho orgulho em ser brasileira, mas, 
Me entristece  saber,
Que sou parte de um povo ignorantemente feliz.
...

Dói saber que o Brasil vem sendo saqueado pelos próprios brasileiros,
Que gastam o dinheiro roubado, fora do Brasil.
...

Me envergonha saber que estamos esquecendo o nosso hino e cultuando uma bandeira que não é nossa.
...

Brasileiros, amem a si mesmos, assim como vcs amam a todos os estrangeiros que aqui chegam.
...

Mais auto-estima! Mais garra! Menos comodismo!



Marly Morais


E agora, o Rio de janeiro será a sede das Olimpíadas de 2016, isto significa que nossa felicidade está maior. Espero que a nossa ignorância não acompanhe, proporcionalmente, a nossa felicidade.


Rumo à 2016:







Cidade Maravilhosa - Fernando Meirelles.




Seguindo a semana... Recebi um e-mail de um amigo, onde aparecia uma senhorinha interessante, chamada Ana Arcanjo. 


Ana foi membro da Cruz Vermelha durante a Revolução Constitucionalista de 1932 e, no vídeo em sequência, nos dá uma aula de civismo, além de nos contar uma curiosidade: a introdução do Hino Nacional tem letra! Vcs sabiam dissso?
Segue o referido trecho:



"Espera o Brasil que todos cumprais com vosso dever
Eia avante, brasileiros, sempre avante!
Gravai com buril nos pátrios anais do vosso poder.
Eia avante, Brasileiros, sempre avante!
Servi o Brasil sem esmorecer,
Com ânimo audaz cumpri o dever na guerra e na paz
À sombra da lei, a brisa gentil o lábaro erguei do belo Brasil.
Eia Sus, ò! Sus!..."


Veja o vídeo:



 
Ana Arcanjo - Hino Nacional


Agora, pra não fugir do tema paradoxal, segue o vídeo de Vanusa e o assassinato do nosso hino. Se Ana Arcanjo ouvisse, voava em cima dela!


Segue o vídeo: Recomendação! Se vc é patriota, e tem problemas cardíacos, não assista!!!

Vanusa - Hino Nacional




Fica aqui, apenas, uma paradoxal tristeza conciente perante a felicidade ignorante...


Até...


Marly Morais

Pseudofidelidade


                                                               
Hoje, uma amiga minha, indignada, esbravejou o seguinte dito popular: "Chifre, quem não põe, leva!"

É pessoal... A coisa está preta! A Mulherada está indignada com a devassidão reinante e resolveu dar o troco.

Fiquei pensando... Por que será que inventaram essa tal de "Fidelidade" se essa não é uma característica natural do ser humano? Cisnes, pinguins, elefantes e outros animais não juram e são fiéis. Com certeza foi um homem que inventou isso! Vocês já repararam que eles querem controlar tudo? Por que será que desejam tanto subjugar as mulheres? Do que eles têm medo?

Na cultura Judaico-Cristã até Deus é pai! Talvez tenham feito isso pra não criar os filhos dos outros, pra não dividir suas terras, por egoísmo, orgulho, posse, insegurança etc. Eles transformaram o casamento primitivo em instituição e com isso os juramentos de monogamia, sob a pena do pecado. E o mais interessante de tudo: não conseguem seguir suas próprias leis. Era preferível nada jurar... nada prometer... nada cobrar... e manter relações igualitárias...

Em nome dessa "pseudofidelidade" homens e mulheres se privam do prazer, se culpam quando não se privam e sofrem por que se culpam e não conseguem manter seu juramento... Por mais que se arrependam, tornam a cair em tentação. São fiéis a qualquer coisa, menos aos seus desejos. Que droga de sociedade hipócrita que construímos para nós!!!

Seria bom que as pessoas se mantivessem fiéis a sua relação monogâmica por desejo. Fiéis porque seu desejo nada mais comporta do que aquele único e exclusivo "objeto" escolhido. Mas não... Nos ensinaram a fazer péssimas escolhas. Não conseguimos nos manter fiéis ao nosso parceiro porque, talvez, no fundo da alma, ele não era bem o que desejávamos.

Não escolhemos as pessoas que vão viver ao nosso lado de forma inteira, escolhemos fragmentos de gente. Amamos um ser esquartejado, uma bunda, um peito, um pescoço, um sorriso ou uma fantasia.

Vivemos na corda bamba das escolhas. Um belo corpo ou a beleza interior, uma gorda conta bancária ou caráter, poder ou liderança, performance sexual ou carinho, que dilema... Sem contar aqueles que tudo querem e vivem perseguindo um ser mitológico baseados nas próprias exigências internas.

Muitos homens ainda procuram as esposas dedicadas ao lar, prendadas, amorosas, submissas e dependentes; pra casar e depois reclamam que elas não querem sexo, não são ambiciosas, não tem iniciativa e são um xarope.As mulheres escolhem os provedores, poderosos, protetores e fortes para se casarem e depois reclamam que eles priorizam o trabalho e são um um poço de insensibilidade.

Homens e mulheres escolhendo pessoas segundo os pré-requisitos sociais e não os íntimos. Ficamos sempre na expectativa que os nossos parceiros nos surpreendam!!! Difícil... Sem contar aqueles que escolhem, inconscientemente, os safados e safadas para se sentirem pena de si mesmos. Já ia me esquecendo, também existem aqueles que querem esculpir uma pedra bruta. Passam anos da sua vida tentando transformar o seu amado em outra pessoa e depois semtem falta do original.

Por que não alguém que eu chamo "meio barro, meio tijolo"? Assim, meio tarado mas carinhoso, ambicioso porém honesto, sensível, divertido, sexy sem ser vazio, sagaz.... Olha eu aqui, de novo, me perdendo na escolha do príncipe encantado. Patético!

Eles querem uma mãe e elas um pai!!! Quando será que amadureceremos? Quando é que conseguiremos estar sem preconceitos ao lado daquele ou daquela que pode existir e desejar?

Quando será que nos relacionaremos com o outro de igual para igual, assumindo nossos desejos...

Será que somos capazes de respeitar a individualidade do outro? Será que é melhor continuarmos devorando-o até que ele deixe de existir?

Fechem os olhos para tudo isso! E prendam suas almas! O desejo é uma sombra que nos persegue dia e noite, ele não dorme, ele grita e fala no corpo.

Arranquem suas máscaras e mostrem seus verdadeiros desejos ou adoeçam por não vivê-los.

Escolher amores possíveis de dar conta de seus desejos não é impossível...

Marly Morais

1 de jan. de 2010

O "Mal": A sombra arquetípica.




 
O "Mal", a sombra arquetípica, continua sendo um mistério tanto para o crente quanto para o descrente. O "Mal" é pertubador, paralisante, incontrolável, inominável, intrigante e impossível de evitar.

O Cristianismo ordenou teologicamente a doutrina da "Privatio Boni", que diz ser o "Mal" uma privação do "Bem". Calcado nesta doutrina está a do "Sumo Bonum", onde Deus é o " Sumo bem" e criou apenas as coisas boas, as coisas más são as que se afastaram do bem ou onde o bem foi diminuido. Aqui o terrível e ameaçador "Mal" é diminuido e controlado para tranquilidade da cosciência do ser humano. Assim o Cristianismo tentou lidar com a questão do "Mal", isolando-o e negando-o tanto na Teologia "Privato Boni", quanto no dia-a-dia dos indivíduos.

O aparecimento da doutrina do "Summum Bonum" tem origem em um passado bem distante e é bem provável que tenha sido a origem da doutrina da "Privatio Boni". Encontramos registros sobre essas doutrinas em Basílio Magno (330-3790), em Dionísio Areopagita (segunda metade do século IV) e em Santo Agostinho mas, não é possível afirmar que essas doutrinas tiveram origem nesta data, é bem provável que sejam mais antigas. (Bonfatti, 2004)

Estes entendimentos teológicos estão tão enraizados no senso comum que poderíamos dizer que, do ponto de vista psicológico, elas fazem parte do nosso cotidiano, devido ao nosso legado cristão na cultura ocidental.

Segundo Bonfatti:

"Apesar de não haver nas igrejas cristãs uma concentração na problemática do Mal, esta não foi deixada de lado. Ao contrário, sempre esteve presente entre os teólogos cristãos, independentemente da época, autor ou influência filosófica". (Bonfatti;2004)

Assim, podemos perceber que a Teologia Cristã ao abraçar para si estes ensinamentos, realça a seguinte lógica: Deus - o todo bem - só produz o bem, logo não poderia ter criado o "Mal"; então o "Mal" só pode vir do homem, pois o homem pode ser privado ou diminuido do bem.

Quanto a esse conceito, cabe muito bem citar Nietzsche, quando este diz que: "Somos muito injustos com Deus. Não lhe permitimos nem pecar".

Conclui-se com o paragrafo acima que o "Mal" vem sendo negado pela teologia cristã, pois se o "Mal" é posterior ao bem, não possui substância e existência própria, só podemos concluir que ele não existe.

Esta afirmação é verdadeira? Talvez a existência dele seja mal compreendida. Jung (1982) diz que, mesmo que não possuíssemos nenhuma imaginação para o "Mal", ele ainda assim nos possuiria, e isso, nos fez compreender o que nos ocorreu, nós não procuramos o "Diabo", ele é que veio até nós.

Nem todos concordam com a idéia de que o "Mal" é um elemento permanente da espécie humana. Desde Santo Agostinho existe a idéia de que o mal nada mais é que a ausência do bem. Essa idéia sugere que o "Mal" poderia ser erradicado por boas ações. 

Segundo Jung, no seu livro Aion (1982), essa idéia não procede, pois diz ele:

"Há uma tendência, que existe desde o princípio, de dar prioridade ao bem e de fazê-lo com todos os meios à nossa disposição, sejam eles adequados ou inadequados... a tendência a sempre aumentar o "Bom" e diminuir o "Mal". A "Privatio Boni" talvez seja uma verdade metafísica. Não tenho a menor pretensão de julgar esse assunto. Insisto apenas em afirmar que, no nosso campo de experiência, branco e preto, claro e escuro, bom e mal, são opostos equivalentes que sempre implicam um o outro" (Jung; 1986)

Fazendo um retorno ao passado podemos ressaltar que a divindade Judaico-Cristã vem mudando suas características.

Segundo C. G. Jung, a divindade Judaico-cristã passou por uma transformação, e podemos compreender como esta transformação antecipa uma alteração histórica na consciência ocidental mediante as mutações ocorridas desde a idéia de Javeh, passando pela concepção de um Deus cristão e da modernização desse Deus na figura de Cristo, como se o homem tivesse esperado para poder enxergar a totalidade da divindade. A priori pode parecer que os homens haviam se livrado da escuridão, do inconsciente, mas o que brotou foi um monoteísmo unilateral: Deus havia se desprovido de suas características ameaçadoras e calamitosas e se tornara o  "Summum Bonum".

Segundo Fuentes, temos que:

"... o "Mal", era, inicialmente, deflagrado pela mão esquerda de Javeh, além do que, o próprio Javeh operava através de inverções tais como a exigência à Abraão para que matasse o seu próprio filho Isaac, desobedecendo o mandamento "não matarás", ou como na história de Jacó, onde este, ludibria seu irmão Esaú, e também o pai. Ele luta contra um anjo durante toda a noite e é ferido na coxa. Jacó exige ao anjo que se revele, este o abençoa, estão Jacó vê a sua face e vê que é Deus. Com isso, tornou-se um iniciado e recebeu um novo nome: Israel, que significa, aquele que lutou contra o Senhor. É com  esses homens que Deus fará uma aliança, os terá como "o filho eleito" e dará sua proteção. Mas não nos enganemos, pois a natureza dessa aliança com Deus dignificava responsabilidade, não privilégio. Ou seja, num nível psicológico, esas experiências requerem uma atitude moral do indivíduo que com elas se relacionam." (Fuentes, 2004)

Podemos concluir que essa metamorfose da divindade fez com que o homem perdesse o direito de escolher entre o bem e o mal e com isso perdeu a responsabilidade sobre as suas escolhas.

Segundo Jung:

"... o critério da ação ética não pode consistir no fato de que aquilo que é considerado bom tome caráter de um imperativo categóico; inversamente, o que é considerado mau não deve ser evitado de modo absoluto." (Jung; 1984)

A negação do mal é realmente mais maléfica do que o mal em si. Negando-o perdemos o direito de escolher entre o bem e mal e, assim, perdemos a responsabilidade sobre as nossas escolhas.

Nós criamos o "Mal", a sombra coletiva, para dar conta do "Mal" que negamos dentro de nós. Se aceitássemos o "Mal" como uma característica que deve ser trabalhada, inerente à natureza humana, poderíamos aceitá-la e integrá-la através dos canais expressivos pelos quais a energia psíquica pode encontrar um sentido de finalidade e um valor significativo para a vida humana. Desta forma, o potencial das manifestações agressivas poderiam  ser  canalizado, criativamente, através de atividades artísticas, esportivas, laborais e lúdicas. Desta forma, é possível empregar a agressividade humana, evitando os males produzidos em função de uma repressão ignorante.

Se deres as costas à luz, nada mais verás além do que tua própria sombra..."
(Autor desconhecido)

Esse é um dos capítulos da mononografia: "A importância das representações psíquicas do Mal e suas influências no processo de desenvolvimento de individuação", de autoria de Marly Morais.


Bibliografia:

  • BONFATTI, Paulo. A Questão do Mal: Uma Abordagem Psicológica Junguiana. Site: http://www.rubedo.psc.br/, de dezembro/2004.
  • FUENTES, Lygia Aride. O Diabo Fascinosum. Site: http://www.rubedo.psc.br/, de dezembro/2004.
  • JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. Trad. Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira [s.d.]
  • _________. Aion - Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. Petrópolis: Vozes, 1982.V. IX/2. (Obras Completas de C.G. Jung)
  • _________. Psicologia da religião ocidental e oriental. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. V. XI. (Obras Completas de C. G. Jung)

27 de dez. de 2009

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra
. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo
. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti

22 de dez. de 2009

Desejo desejar

Mais um ano chegou ao fim e, como manda a tradição, é a hora de desejarmos aos amigos coisas boas. Desejo que você tenha isso ou aquilo, que você seja assim ou assado, que no próximo ano você consiga tudo que não conseguiu no ano que passou e por aí vai...

Comecei a pensar sobre isso e percebi que agente nunca deseja que o outro deseje... Alguém já desejou que você deseje? Acredito que não.Vão te desejar paz, saúde, dinheiro, esperança etc. Se me desejarem paz eu não vou querer. Paz é o cacete!!! Eu quero é aventura!!! Vão me desejar saúde. Difícil ter saúde se não posso desejar. Quando a gente engole o desejo acaba arrotando uma azia... Nem quero que me desejem dinheiro. Eu sei que todos precisamos mas, se faltar o desejo acabamos usando-o pra tapar o buraco da insatisfação. Quem deseja busca! A busca traz crescimento, o crescimento traz desenvolvimento, o desenvolvimento traz oportunidades profissionais e dinheiro vem com o esforço e com o suor. E se desejarem esperança eu direi: - Quem é capaz de ter esperança sem desejar?

O que quero dizer é que não adianta as pessoas desejarem por você!!! É você quem tem que desejar!!

Então o que eu desejo a todos vocês é que desejem. Sempre e mais!!! Que desejem viver!!! Pois quem deseja viver, não somatiza, tem paz e distribui paz por que se realiza e não desconta no outro as suas frustrações.

Você também pode desejar não desejar, e quem sou eu pra desejar por você? Mas pense bem se esse é um desejo verdadeiro! Talvez tenham te ensinado a ser assim!

Quem não deseja não dá trabalho!!!! Pense nisso!!!

Marly Morais



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